Brasil - Rio de Janeiro / Redes da Maré - Mar 2016



Preciso falar-vos da minha ida à Maré, uma favela muito complicada.
Não há brasileiro com quem eu falasse que não ficasse preocupado com esta minha ida à ONG Redes da Maré, organização que visa promover a construção de uma rede de desenvolvimento sustentável no maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, tendo como orientação o envolvimento dos moradores no processo de conquista e garantia de direitos.


Resolvi confirmar o meu destino e lá fui, apanhando dois ônibus e um motoqueiro.

Cheguei e fui afetuosamente recebida pela Patrícia (a secretária executiva), uma mulher cheia de dinâmica e garra. Admiro a coragem do trabalho desenvolvido por esta organização e confesso que não sei se era capaz de trabalhar ali. 

Esta favela é constituída por 17 comunidades e eu fui até à Nova Holanda, que faz fronteira com a Baixa. Nesse dia estava a acontecer uma intervenção da Polícia na Baixa, pelo que as escolas estavam todas fechadas dado o risco de balas perdidas. Sentia-se a agitação nas ruas mas claramente algo considerado habitual. Ou seja, nada que impedisse o dia-a-dia.
A acompanhar a vida que se leva de comércio, restauração e movimento, está um ar carregado de cheiro a maconha, consumido e vendido sem aparente pudor. Grupos pequenos de jovens encontram-se às esquinas, falando e observando o ambiente. 

Não é preciso ter um alargado conhecimento para perceber que alguns são "olheiros", que devem assinalar através de foguetes ou rádios, a presença de eventual ameaça ao tráfico da facção dominante (Polícia, outra facção, etc.). A Patrícia relatou várias histórias, explicou como a ONG intervém e mostrou-me um vídeo, feito através de um telemóvel, de um menino olheiro, morto pela polícia, e a tentativa de esconder o seu corpo. Um verdadeiro murro no estômago para mim.
 
Mais uma vez sinto o dramático e extremado que é tudo neste país absolutamente extraordinário e a minha dificuldade em tomar partidos. A complexidade da questão, simplificada aos meus olhos pela Patrícia (talvez pela necessidade de o fazer para continuar a trabalhar ali) ao considerar que os policiais são todos umas bestas e os traficantes não têm nada de violento desde que não estejamos no seu caminho, não é possível para mim. Sendo que a bestialidade de alguns dos policiais estava ali provada e sem hipótese de ser negada!

Não, não faço parte do grupo que acha que "bandido bom é bandido morto", mas imagino todas as questões que se levantam para as pessoas que são obrigadas a viver ali e aos polícias que são chamados a intervir. E é com um misto de tristeza e aceitação que me confronto com a minha impotência e incapacidade. Com o querer fazer a diferença e querer contribuir para um mundo melhor e com a certeza atual que não o posso fazer sem me respeitar em primeiro lugar. É… Redes da Maré é uma ONG extraordinária que tem de intervir diariamente perante o medo, respondendo com muita paixão e amor.

(NOTA: Esta crónica é relativa a uma viagem realizada em Março de 2016. Corresponde ao que vivi e senti à data)

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